
Aconteceu em Copenhague em um dia qualquer do mês de julho de 2005. A caminho da Embaixada do Brasil, de repente fui invadida por uma tristeza profunda e um pranto inexplicável . Desliguei-me totalmente de todas as coisas a minha volta e tive a mágica sensação de estar pairando no ar. Continuei caminhando em direçao ao meu trabalho porque minhas pernas já conheciam o caminho. Enquanto caminhava ia repetindo em voz alta , a carta que meu pai ditava para mim. A rua estava vazia de gente, senão poderiam considerar-me uma louca. Eis a carta:
Filha! Aqui do outro lado do mundo, minha nova morada, não há tristeza, tudo é alegria. A solidão é uma palavra que não conhecemos pois nunca estamos sós . Até a escuridão aqui tem cor. Só existe a saudade dos parentes e amigos que ainda estão na terra. Recentemente, para minha alegria e de todos os demais parentes que aqui estão, chegou meu filho Alvaro Antonio. Diga a sua mãe que ele está bem, fala nela o tempo todo. Sempre muito engraçado , até já montou um negócio. Vende flores, alegria e ilusão. Nos fins de semana jogamos baralho com cartas em forma de estrelas. Desculpe-me filha, sei que todos ainda estão sofrendo muito, principalmente minha querida esposa que não se conforma com a perda do filho. Mais um golpe da vida, ela não merece tanto sofrimento... Aqui , jamais sentiremos a dor da separação. Assisto a tudo e não posso fazer nada. Ah! Sua irmã, Sonia, já está curada do Lupus e agora está ajudando o irmão na lojinha, ela cuida das flores. Minha mãe, Adelaide continua com aqueles cabelos que sempre me encantaram, lembram os seus. Meu pai Venâncio, no seu terno de linho, passa o dia sonhando com o seu cavalo branco, cavalgando em sua saudade. Meu sogro, o velho Alvaro Amado, com o mesmo chinelo com um furo em cima para deixar respirar o seu joanete. Já criou aqui um jogo de bicho diferente onde só ele é quem ganha. Minha sogra reclama o tempo todo que aqui não existe avião para ela sair voando pelo espaço. Jorge Amado já começou a escrever um livro, parece que o título é: “O OUTRO LADO DA VIDA”. Por falar em livro, fiquei feliz por você ter conseguido finalmente publicar o seu tão sonhado livro de poesias. Não se esqueça de enviar-me um exemplar, não pelo correio, aqui não existe esse serviço. Haverá um portador, só que não posso dizer quem é e nem quando chegará aqui. Melhor não sofrer antes do tempo. Até um dia filha, daqui ficarei torcendo pelo seu sucesso. Você tem ainda muito coisa para fazer nesse mundo dos terrestres. Sou seu principal fã e eterno admirador. “Seu pai JONATHAS”
LUCIENE AMADO (julho de 2005)
Obs. UM ANO DEPOIS, EXATAMENTE NO MÊS DE JULHO, MINHA MÃE FALECEU, ELA FOI A PORTADORA DO LIVRO QUE ENVIEI AO MEU PAI.
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