02/09/2015

Um pinheiro na Boavista - Porto







CRESCEU e sem ele mesmo dar por isso. A vida foi tão cheia de sossego e tudo à sua volta inspirava-lhe gratidão. Com ele cresceram também crianças que à sua sombra brincavam felizes e lhe regavam as raízes com água fresca e límpida do poço. Pela noite vinham os pássaros aconchegar-se nos seus troncos grossos e quentes dos raios do sol que incidiam pela tarde. E, quando chovia servia de abrigo às pequenas flores que cresciam a seus pés. Nas noites de ventania no balançar de seus galhos o vento soprava forte e a Joana no seu quarto quentinho adormecia como se aquele ruído representasse uma canção de ninar. E assim, aquele já enorme pinheiro, ia crescendo e prestando à natureza os maiores benefícios no meio de uma cidade poluída tão necessitada de vegetação e consequente oxigénio . E a sua vida teria continuado assim por mais cem anos. Mas para tudo que é bom, nesta vida, surge sempre uma grande maldade. No quintal ao lado onde plantado estava o pinheiro, morava a maldade encarnada numa velha quase bruxa, desdentada e feia que, com alma de diabo, recorreu à justiça alegando que o pinheiro, com a sua enorme sombra, lhe acarretava grandes prejuízos. E a justiça, aquela justiça que ninguém entende,  sentenciou  o derrube daquela árvore - o que teve lugar outro dia - a golpes de serra, cujo barulho ecoava que nem trovões como se a cidade do Porto estivesse sendo abalada por um terremoto.
Nessa noite ainda tive uma sensação de grande alegria. Sonhei que o pinheiro teria derrubado na sua queda, com o seu tronco hercúleo, o corpo gordo,balofo e feio da desdentada vizinha que se desfez em merda e foi a enterrar dentro de um caixão feito da madeira do próprio pinheiro. Até na sua morte o pinheiro prestou os melhores serviços à natureza levando consigo uma grande porção de veneno que empestava a cidade do Porto...

Um comentário:

  1. Fiz uma ligação para o meu blog deste texto fermosíssimo, Manoel Carlos.

    Beijo

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