Chamo-me Maria, ainda que ele preferisse me chamar Dolores. Encontravamo-nos com frequência no elevador. Muitas vezes desejei que me arrancasse a roupa ali mesmo, e pelas olhadas que me lançava, julgando que eu não reparava, a sua imaginação devia vagar por caminhos similares, de entre os três possíveis. Também não era um casanova, mas tinha alguma coisa de atraente, de facto. Porém, a timidez dele —que nunca ultrapassou as saudações preceptivas cada vez que nos encontrávamos— todavia acentuando o efeito sedutor, minguava as probabilidades de que aquelas faíscas ateassem um incêndio. De maneira que quando a Nádia me comentou que o conhecia e que se quiser nos apresentava, aceitei-lhe a sugestão imediatamente.
Montamos a armadilha, que mais ou menos já lhe tinha controladas as entradas e saídas, e ainda que na primeira tarde —era Quarta— falhou, no dia seguinte entrava às sete e meia, com pontualidade britânica, no vestíbulo, onde a Nádia e eu falávamos à toa demorando a despedida. Fingidos gestos de surpresa da parte da minha amiga (Então? Ó Manoel Carlos, querido! Você por aqui? Ai, mora cá no prédio? Não fazia ideia! São vizinhos, logo. Conhece a Maria com certeza? Ora essa! Não me diga que não conhece? Não acredito!), troca de beijos e olhares cumpriram o objectivo previsto: combinamos para beber um copo esse mesmo Sábado na casa dele.
Meia hora após o acordado toquei a campaínha —embora não se pudesse justificar o atraso em engarrafamentos de trânsito, pois só dois andares nos separavam e em descida ao meu favor. Entretivera-me em escolher a saia que mais me realçasse as pernas. Sabia que eram a melhor arma de que dispunha, pois não fora em vão que os colegas me alcunharam de “Miss Pernas Bonitas” na minha época de hospedeira e o tempo não as maltratara em demasia. Já prestes a fechar a porta lembrei que não pusera perfume e voltei a entrar. Com a excitação, entornei meio frasco pelo pescoço, e não adiantou abanar as mãos, que desprendia um aroma anestesiante: bem se notou quando me abriu, que vi como encostava à parede, evitando cair desmaiado, os olhos a lacrimejarem.
Convidou-me a sentar no sofá enquanto me servia um malte em taça, acompanhado dum copo de água gelada. Ele serviu-se outro, com gelo em copo baixo, e acomodou-se num cadeirão a uma distância discreta. Eu cruzava e descruzava as pernas, tentando prender a atenção dele, e não tardou em mas gabar com um brilho maroto nos olhos, ou se calhar foi que ainda lhe ardiam por causa do perfume. Aí já foi esquentando a conversa e como ambos sabíamos o fim alvejado, logo me declarou as suas intenções num espanholês coxo que o meu portunhol maneta compensou:—Mi gustaría hacer amor con usted...—A mim também me gostaría...
Sem mais cerimónia, fomos para o quarto. No intuito de lhe acrescentar a ânsia que se patenteava na respiração ofegante, pretextei um banho de espuma em que mergulhei até o pescoço numa tentativa inútil de diluir o perfume, não me fosse ficar tonto no melhor.
Quando saí, Vénus exultante, em pêlo puro, da impressão que lhe causei ficou apalermado. De repente, num estalo que sinceramente não esperava, arremessou-me contra a cama. Enquanto apagava a luz com uma mão, a outra abria o fecho-relâmpago (esse invento do diabo que permite despir as calças à velocidade dum idem!), alanceou-me em seco, soltou um gemido brevíssimo e estremeceu-se.
Deitado na maca da ambulância, o seu rosto era a viva imagem (não é ironia, mas frase feita) do soldado que regressa derrotado duma guerra que não era sua. Fiquem sabendo que desde essa noite nunca mais usei perfume.
tiroteio cerrado com balas de perfume de:
Isto non é un cabaré!
Isto non é un cabaré!


Vais converter isto num "folletín", Manoel Carlos? Hehehe! Até presta para lhe dar emoção. (`_^)
ResponderExcluirBeijos, todos quantos
Pronto, agora já esta inteiro e rematado... o defunto. Hihihi!
ResponderExcluirBeijinhos, Manoel Carlos, todos quantos e mais um.