15/01/2016

PONTE DE LIMA

LEMBRANÇAS

Gente de todas as freguesias e lugares desciam ao centro da vila trazendo os mais variados artigos para negociar. Frutos, legumes, galinhas, coelhos, cabras, vacas e cavalos.
As ruas sujas tresandavam a bosta de vaca e o ar tornava-se quente logo pela manhã. 
O barulho das vozes em algazarra e dos tamancos da parolada batendo no cascalho dos caminhos eram o prato cheio para enfastiar-me.
Não tinha como fugir, a invasão era total e eu, irremediavelmente, ficava!
Surgia a vontade de fazer algo, o impulso de vingança, a explosão.
Deambulei descendo a avenida Antonio Feijó pelo lugar dos carros de bois repletos de melancias que os homens iam anunciando de forma entusiasmante e o preço por unidade. Não era muito. E eu não podia comprar. 
Pensei mas logo afastei a ideia do "assalto". Afinal nem era tanto assim...
A vingança no meu peito de menino que via todos os dias de segunda-feira seu sossego perturbado, cresceu e esqueci que era assim tão ruim o roubo de uma simples melancia. Fiquei no canto do carro onde os olhos do vendedor não tinham acesso. Devagarinho estendi meus braços e com as minhas mãos pequenas pude agarrar uma melancia que achei enorme.
Deslizei o produto entre o taipal do carro e o meu peito que arfava tenso até o fruto tombar levemente.
Fugi e só sosseguei na rua Cardeal Saraiva onde abracei aquela enorme melancia como se ela representasse o meu maior troféu.
Corri rua acima. Mas roubar não compensa mesmo. Tropecei, caí e a melancia esfarrapou-se entre o meu peito e o chão duro da rua. 
Ao erguer-me a imagem que eu transmitia era a de um menino com pedaços de coração saindo do peito.


E Maria  falou que as  imagens erigidas sobre palavras têm as quatro dimensões de que a vida carece: tanto coração a sair do peito eram as ânsias dum "guri" de sonhos e doçuras derramados.



                                                 

É assim como uma dor irrecusável  que às vezes sinto em mim as lembranças de menino. Recordo as tardes de Outono quando o sol em despedida deixava um dourado bem brilhante no cintilar das águas do Lima e, nesse ritmo, nessa melodia, os meus olhos extasiados anteviam outros sonhos...Mas eu sonhava um dia sentar-me num daqueles bancos virados para o rio e, já capaz de escrever sobre estas coisas...sobre os momentos que afinal outros lugares me roubaram... Todavia eu nunca esqueci...E felicidade a minha que ainda achei tempo para vir aqui, às vezes, quando todos dormem, sonhar de novo lembrando aquele menino que eu fui e que, certamente, ainda sou!Felizes dos que moram pertinho de suas coisas.
Isso, se passares por lá, e se estiver o sol no crepúsculo, lembra-te de mim e vais ver que algo em ti se manifesta...e, se ainda for possível, bem pertinho da corrente das águas, vais escutar algo como o meu coração aflito a caminho de Viana do Castelo! Se viesses neste momento me encontrarias sentado num banco materializado à força de tanta saudade.

Falando a todos os meus cantos, todos os meus lugares, perto e longe; falando comigo, só para mim, para depois de novo, sozinho, falar para ela, aqui que ninguém nos escuta! Mesmo assim não ouso dizer nem direi tampouco sem ter a certeza... E continuo dizendo o que afinal só ela pode ouvir e entender menos aceitar! Mas eu aceito incondicionalmente este sentimento que ela me provocou e onde eu me encontro como sendo o único lugar que eu sempre procurei... E sabia que ela estava aqui e estará sempre aqui, bem juntinho deste lado, aqui... Como se fosse um tesouro que Deus colocou no meu acervo.  Proibindo, como condição única, a sua utilização para fins indecifravelmente conjugais... Salvo um dia ela confesse que esta plaga não é só a via para o sonho... 

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