
Zero Hora, Brasília, 05/04/09 - A política externa do Brasil também é feita com uma boa dose de assistencialismo. Armazenados em embalagens estampadas com a bandeira verde e amarela, pelo menos 1.798 toneladas de alimentos, mais vacinas, remédios, barracas e até parafusos foram distribuídos ao redor do mundo em 2008. Neste ano, em pouco mais de três meses, só em gêneros alimentícios foram mais de 44 mil toneladas, em um gasto superior a R$ 80 milhões.
Países pobres da América Central e da América do Sul são o principal alvo de uma estratégia cuidadosamente planejada. Além de consolidar as relações políticas com essas nações, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva faz da solidariedade um cartão de visitas e aproveita para angariar apoio na corrida por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
- Faz parte do jogo internacional. É uma maneira de ganhar amigos - afirma David Fleischer, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UNB).
Se a intenção é ser simpático, o governo Lula resolveu apostar alto e profissionalizar suas armas de conquista. Desde março, o Brasil tem condições de responder prontamente, sem atrasos, a sinais de socorro emitidos de qualquer canto do globo. Pelo menos esta é a vocação do primeiro armazém humanitário do país, com capacidade para guardar 14 toneladas de alimentos, o equivalente à carga de um avião Hércules C-130. Localizado no aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, o terminal de cargas da Infraero será permanentemente abastecido com uma espécie de kit da assistência humanitária internacional. Cada caixa, pesando 23,9 quilos, é recheada com mantimentos como sardinha em lata, biscoitos, macarrão, farinha de milho e açúcar cristal.
Em 2006, apenas dois países foram ajudados pelo Brasil. No ano passado, esse número pulou para cerca de 20 países. Foram nações mergulhadas em tragédias, vítimas de furacões, ciclones, enchentes ou alguma epidemia, que recorreram ao Brasil e foram atendidas. A doação é sempre uma resposta a um pedido específico de cada nação, mas não se limita às áreas carentes. A China, uma das maiores economias do mundo, usou roupas, barracas e comeu comida brasileira quando um terremoto arrasou a província de Sichuan em 2008.
Ex-embaixador brasileiro nos EUA, Rubens Barbosa lembra que a prática da ação humanitária não é novidade, mas a repetição e a intensidade das doações, sim. O embaixador vê uma subordinação direta deste excesso de solidariedade ao sonho de Lula de se firmar como um líder no continente americano e ocupar uma vaga no Conselho de Segurança. Barbosa só não considera a estratégia eficiente:
- Não há relação entre a ajuda e a decisão política dos países lá no momento da definição. Mas, enfim, quem pode, dá.
Um departamento para a solidariedade
Com o objetivo de organizar a caridade internacional, o Itamaraty criou em 2005 o Departamento de Ações Internacionais de Combate à Fome. A decisão partiu do Palácio do Planalto, que identificou uma falta de foco nas decisões envolvendo ajuda humanitária. Até então, as demandas ficavam por conta de diferentes ministérios e eram pulverizadas. Junto com a responsabilidade, veio também um orçamento próprio. No ano passado, o diplomata Milton Rondó Filho, coordenador-geral do departamento, contou com R$ 2,5 milhões. Neste ano, a verba subiu para R$ 7,5 milhões. Dentro dos gastos da União, o orçamento é modesto, mas conta com o reforço das outras 14 pastas que integram o grupo de trabalho interministerial que cuida do assunto.
- Enfrentamos a questão de maneira emergencial e estrutural. Uma das mãos levando o alimento, e outra, a semente - resume Rondó, citando o lema do programa.
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