07/11/2013

Beijos da noite


Quando acordo a meio da noite, travo comigo mesmo uma luta árdua para voltar a dormir.  No meio desse espaço longo e sublime,  onde o sossego e o silencio me envereda pelas  plagas sinuosas das recordações,  sinto, por vezes, que alguém está agradavelmente perto...



E foi assim, esta noite, lembrando-me  dela tão  intensamente que senti  seu perfume pairar  no meu quarto.
Fiquei assim nesse enlêvo , invocando  um sinal  na escuridão.  Tive um gostoso sobressalto ao sentir nitidamente, próximo ao meu rosto, um respirar leve e uns lábios finos e  frios como  se fosse um beijo de um anjo ..

Não dormi mais esperando que voltasse. Mas ela não  voltou .


Falando a todos os meus cantos, todos os meus lugares, perto e longe; falando comigo, só para mim, para depois de novo, sozinho, falar para ela, aqui que ninguém nos escuta! Mesmo assim não ouso dizer nem direi tampouco sem ter a certeza... E continuo dizendo o que afinal só ela pode ouvir e entender menos aceitar! Mas eu aceito incondicionalmente este sentimento que ela me provocou e onde eu me encontro como sendo o único lugar que eu sempre procurei... E sabia que ela estava aqui e estará sempre aqui, bem juntinho deste lado, aqui... Como se fosse um tesouro que Deus colocou no meu acervo.  Proibindo, como condição única, a sua utilização para fins indecifravelmente conjugais... Salvo um dia ela confesse que esta plaga não é só a via para o sonho




Ela tinha um cheiro delicado e estranhamente doce. Um odor de fêmea. Era só ela passar perto para me impulsionar  a  correr atrás dela feito animal   em época de cio! Mas me segurava a sensatez dos meus ainda  11  anos. O medo de suas bruscas e inesperadas  atitudes.
Ela era já adulta. Já mãe de uma menina  concebida de uma aventura no escondido  e lusco fusco da Lapa. Numa  noite de São João. Deslumbre irremediável.  Aconteceu com o Zé Padeiro. que emigrou para a França.  

Ela já havia notado o meu libido  desespero nas minhas reações, no meu olhar  e sadicamente me provocava.
E os dias iam seguindo. Derrubando-me nas noites que a imaginava com a ajuda de meu inevitável narcisismo.
Desenhei com meu olhar tantas palavras e imagens no tecto do meu quarto. Meus gritos mudos explodiam contra o corpo dela...suando no escuro que meus olhos ocultavam cerrados ao clarão enorme que se expandia do meu entusiasmo...e ela submergia sempre dessas minhas noites de menino feito homem!
Mas um dia ela veio como que seduzida ou magnetizada talvez presa em tanta força que eu expandia tentando prendê-la.
Fingi calma e tentei segurar meus impulsos.
-Olá! Sabes, tenho notado em ti. Estás um homem.
E foi a partir daí num derrube súbito em cima dum leito improvisado, colchão de terra e barro, que eu me TORNEI homem se a isto se deve ou pode  chamar de HOMEM
 


E LEMBRO DELA...

Era o batuque dos pingos da chuva no telhado de zinco. Era o calor da cama e a preguiça antes de levantar e ter que ir para a escola. Era o cantar do melro que voava para longe, era a voz dela chamando para o café da manhã! O banho rápido na água fria o arrepio sentindo a toalha no corpo molhado. E o calor de suas mãos calçando-me as meias sentado na mesa da sala! As pedras do cascalho da avenida e o cachorro da Mica Rola coçando-se das pulgas! Eram as manhãs de sol e chuva e o arco-íris visível atrás dos montes da Vila. Era ela me levando pela mão que me trouxe até aqui onde devo esperar que ela volte..

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