20/11/2013

CAZUMBI. O feitiço pegou.





Madalena, uma "negona" ali de Benguela, na sua juventude impetuosa tirando partido de seu gingar, sua "banga" e quem sabe sua "bunda"; cedo foi agarrada pelo Francisco, um crioulo de boas condições financeiras (estatuto raro para um negro) que se deixou cair de grande paixão pela Madá, como ele gostava de lhe chamar. E pronto. Trigo limpo. Casaram e vieram os filhos. Quando já haviam 12 pretinhos e pretinhas tirando o sossego do tão prolífero casal. Madalena não pode dispensar o auxilio do Domingos, preto com 17 anos, magro, baixinho e feio mas que ela achou ser a pessoa ideal para ajudá-la na lide da casa e cuidar das coisas da crioulada, cada vez mais indisciplinada. Assim, resolveu-se admitir, como criado, o tal Domingos.
Esse seu criado tornou-se tão prestável e imprescindível que ela já não conseguia fazer nada sem que ele não estivesse por perto para dar uma "mãozinha". Foi aqui que as mãozinhas do seu marido também foram "poupadas" que, para o efeito, também já não reuniam as condições necessárias...
Madalena estava então com cinquenta e tais anos de idade e cento e tais quilos de peso. Esta obesidade foi repentina, o que se atribuiu ao fato da Madalena há um ano atrás ter tido um acidente que a levou a internamento hospitalar, entre a vida e a morte; não fossem os cuidados do seu amantíssimo marido, que gastou "rios" de dinheiro, evitando o pior!
Os movimentos de Madalena passaram a ser condicionados. Aquela rapidez e actividade natural , aquela frescura, aquela "banga", aquela "bunda", já era! Ou eram?
Neste contexto logo se vê que na perda de uns valores é necessário que venha a compensação. Que outros valores se adquiram ou se levantam!
Madalena apaixonou-se pelo criado, o Domingos, preto fraco, magro, feio.
As irmãs de Madalena ficaram apavoradas e nada adiantava interferir. A paixão de Madalena era desmedida, incontrolável. Tanto que já nem o marido a segurava. Esse sim teve que segurar os chifres dolorosamente porque sempre amou Madalena.
Madalena tornou-se cruel, ingrata, ordinária ao ponto de provocar cenas envolvida sexualmente com o criado diante do marido que assistia a tudo com mágoa mas, no fundo, com o fogo da revolta, dentro de si, fogo intenso, que na possibilidade de materializar-se, queimaria o mundo inteiro!
Francisco apenas desabafava: - Ela ainda vai pagar tudo o que me está fazendo. Juro!
Suas cunhadas unanime
mente desaprovavam o caso de Madalena realmente fora do contexto e absolutamente discrepante em todas as latitudes. E advertiam: - cuidado irmã, olha que cá se fazem cá se pagam . E Madalena ria soltando gargalhadas chamando de "gentias" e "matumbas" às irmãs.
Se o envolvimento de Madalena com o criado já vinha de longe, não se sabe. Sabe-se sim que depois de declarado, durou pouco.
Madalena começou a sentir fortes dores nas costas. Uma tosse forte e profunda provacava-lhe as mais estranhas contrações e descontrole renal. Febres altissimas.
Mas o mais curioso é que quando se chamava a ambulância para levar Madalena para o Hospital, quando ali chegava Madalena deixava imediatamente de sentir tais reações. A febre desaparecia, a tosse parava, e dores cadê as dores? E Madalena voltava para casa e logo em casa voltava tudo de novo - as dores, a tosse, febre ...
E assim, de tantas vezes que se deslocava ao Hospital e ali nada se constatava: feitos exames, as mais minuciosas, análises a tudo que podia suscitar origem dos sintomas e, francamente, nada de anormal era detectado, os médicos já estavam inclinados para diagnosticar loucura ou brincadeira atrevida da Madalena!
Uma enfermeira mais experiente ainda vaticinou: - isso é feitiço!
Madalena morreu logo a seguir sem que se soubesse a causa dos seus sintomas!
Francisco, o viúvo, bem lá no fundo da sua alma, sentiu um profundo remorço...    o feitiço pegou !!



Texto de Manoel Carlos "Horta e Vale".

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